Como sintetiza o título, o livro “Os desafios da sustentabilidade - uma ruptura urgente” condiciona a sobrevivência da sociedade à necessidade premente e radical de mudança do modelo de desenvolvimento. O engenheiro Fernando Almeida aborda este dramático dilema de todos nós em três blocos principais. No primeiro, o estado dos serviços ambientais, as razões da urgência e o comportamento dos sistemas naturais. No bloco seguinte, como implantar as mudanças pela via da ruptura estruturada como forma de desviar nosso futuro da rota da tragédia social e ambiental. E, por último, mostra quem vai operar as mudanças, apontando para a formação dos líderes da sustentabilidade.
O livro de Fernando Almeida traz ainda casos concretos de empresas líderes de mercado (3M, Alcoa, Amanco, Ambev, BP, Bradesco, CST-Acelor Brasil, Dupont, GE, Holcim, Itaú, Michelin, Plantar e Philips) e ONGs que já estão no rumo da mudança. “Os desafios da sustentabilidade: uma ruptura urgente” apresenta aos leitores os pontos-de-vista de quatro personalidades de destaque neste contexto: Fábio C. Barbosa, Alain J. Belda, Chad Holliday e Björn Stigson.
Com a preocupação de demonstrar a necessidade do envolvimento dos principais setores da sociedade para que o desenvolvimento sustentável seja implantado, o livro é prefaciado pela então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; pelo líder empresarial José Armando de Figueiredo Campos; e pelo diretor da ONG The World Resources Institute (WRI), Jonathan Lash.
Saiba mais sobre o livro
Resenha sobre o livro escrita por José Eli da Veiga, professor titular do Departamento de Economia da FEA/USP e coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental.
É no papel dos empreendimentos empresariais que se concentra este novo lançamento de Fernando Almeida, embora seu público-alvo esteja longe de se restringir ao mundo corporativo. Foca o segmento empresarial porque acredita que é nas empresas que está a essência do poder no mundo contemporâneo e, consequentemente, a maior responsabilidade pelos rumos que poderão se impor.
Será, contudo, um grande erro se as livrarias resolverem colocar esse livro naquelas prateleiras reservadas aos ensaios de auto-ajuda empresarial. Principalmente porque o autor conseguiu a proeza de evitar todas as limitações desse tipo de escrita ao se propor a discutir a crucial contribuição do setor privado para a crescente insustentabilidade dos processos de crescimento econômico e de desenvolvimento.
Não é livro de abobrinhas, como muitos daqueles que abusam das boas receitas normativas para vender a idéia de que uma empresa pode se tornar sustentável caso seus dirigentes aceitem os conselhos do autor. Na verdade, ótimas dicas desse tipo até podem ser encontradas na segunda parte, e principalmente do sexto capítulo, onde se encontra um primoroso balanço dos oito mais importantes instrumentos já criados para que a noção de sustentabilidade possa ser inserida no cotidiano das empresas: ISO 14000, Índice Dow Jones de Sustentabilidade (IDJS), diretrizes da OCDE, “Global Compact”, “Global Reporting Initiative (GRI)”, norma AA1000 com comitês de garantia independentes, norma AS 8000 da “Social Accountability International (SAI)”, e até a lei americana Sarbannes-Oxley. Todavia, a abordagem é muito mais ampla e profunda.
Antes de tomar contato com tais instrumentos, e de poder relacioná-los com a transparência, com o engajamento dos “stakeholders”, com inovações tecnológicas e sociais, ou com as finanças, na primeira parte o leitor já foi confrontado com a urgência da questão. Foi-lhe apresentado o largo inventário do conhecimento disponível sobre a degradação ambiental que resultou da Avaliação Ecossistêmica do Milênio (AEM), a mais nobre iniciativa do anterior secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e de cuja execução Fernando Almeida teve o privilégio de participar como membro do Conselho Diretor. Nesses primeiros quatro capítulos encontra-se um panorama que não poderia ser mais completo sobre o comportamento dos sistemas naturais, e também sobre a influência que a AEM acabou tendo sobre a formulação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
Depois, na terceira parte, surge a principal contribuição do livro para o debate sobre a própria exeqüibilidade do desenvolvimento sustentável (DS). Aí o autor pergunta por que tal noção ainda se mantém enclausurada numa elite intelectual. E rejeita liminarmente a hipótese de que o grande arco de interesses contrariados seja razão suficiente para explicar tal isolamento. Em vez disso, acha que estão nas dificuldades conceituais do DS, em seu ineditismo, e em sua transversalidade, os obstáculos à geração de indispensável massa crítica de líderes. Uma tese que merece ser levada muito a sério, principalmente quando exposta por um engenheiro cujos 32 anos de dedicação integral ao tema do meio ambiente o legitimam na presidência-executiva do CEBDS: Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Uma organização que está, desde 1997, na vanguarda da luta pela conservação da base material de qualquer possibilidade de aumento das liberdades humanas: sua ecossistêmica (para usar feliz expressão do saudoso biólogo Samuel Murgel Branco).
Outra grande qualidade do novo livro desse professor da UFRJ (Politécnica e Coppe), que também esteve presidente da Feema-RJ (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente), está na maneira de relatar dezenas de casos, dos quais os mais saborosos nem sempre são róseos. Ao abordar o tema das finanças, por exemplo, conta que o Banco Mundial concedeu grande empréstimo a destacada firma do agronegócio brasileiro, mas só no meio da execução do projeto é que percebeu que ela simplesmente destruíra área de preservação permanente. A liberação das demais parcelas passou a ser então condicionada à efetiva reparação do crime. No entanto, em vez de atender à exigência do Bird, a empresa propôs uma parceria de operação financeira ao Banco Real, sem revelar-lhe, é claro, a destruição da reserva florestal. Conseguiu assim vender debêntures ao banco, mediante apresentação de excelente dossiê financeiro. O dinheiro liberado pelo Banco Real seria usado para saldar a dívida com o Banco Mundial e para expandir a plantação na área devastada se - por sorte, diz Almeida – o Rela não tivesse sido alertado a tempo sobre a manobra pela ONG Amigos da Terra. A situação foi revertida com oferta de ajuda ao infrator para que ele viabilizasse seu negócio com o reflorestamento da área. Só falta mesmo é dar nome a todos os bois.
Esse e outros casos mostram que serão necessários muitíssimos mais “amigos da terra” - além de muitíssima mais sorte - para que saiam do papel os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Afinal, as três metas essenciais do penúltimo dos oito ODM, que visa “garantir a sustentabilidade ambiental”, pretendem conseguir: a inversão da tendência atual de perda de recursos naturais, a redução pela metade da proporção da população sem acesso permanente à água (até 2015), e considerável melhora da vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de áreas degradadas (até 2020). Como enfatiza o próprio título do livro, são desafios que exigem urgente ruptura.
Em suma, trata-se de leitura recomendável não apenas aos que já trabalham, seja no privado, no público, ou no terceiro setor, mas particularmente aos estudantes de todos os quadrantes. Quem tomar contato com esse livro terá formidável oportunidade de entender, em termos bem concretos, o que está impedindo que sejam sustentáveis os processos de desenvolvimento.
Livro: “OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE – UMA RUPTURA URGENTE”, de Fernando Almeida.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
José Eli da Veiga
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